Nunca vi o mar!


João e Rita são amigos de infância.
Nasceram e cresceram numa aldeia de interior, onde a natureza abunda, mas poucas oportunidades aliciantes surgem aos mais novos.
O seu maior sonho era ver o mar.
Desde a mais tenra idade que ambos tinham longas discussões sobre como seria ouvir as ondas, sentir a areia por entre os dedos, provar o sabor da água, sentir a sua imensidão, ver as suas cores, cheirar a maresia.
A que saberia? Que som faria? Como seriam as ondas? E a espuma do mar?
Liam avidamente todos os livros que falassem dele, na Biblioteca local.
E, no Verão, “massacravam” os primos, que vinham de férias, com perguntas.
A imaginação permitia criar muitas imagens, mas… não podiam confirmar ou negar algumas delas.
Assim, no final de um Verão particularmente quente, quando os primos foram embora, decidiram que iam começar a fazer planos para ir ver o mar.
Demoraram dois dias a fazer uma lista de tudo o que precisavam. Mas sozinhos não iam longe, por isso pediram ajuda ao Avô Joaquim, que acedeu entusiasmado.
Enfiaram-se no Fiat 126 do avô e meterem-se a caminho. A conversa depressa esmoreceu e acabaram por fazer a viagem em completo silêncio, com o coração a bater desenfreado à medida que se aproximavam.
Quando chegaram, começou a chover. Mas nem isso os impediu de sair do carro e, de mãos dadas, percorrerem os últimos kms que os separavam do mar. O avô ficou para trás, incentivando-os a continuar.
Só se ouvia a chuva a cair miudinha e um som de fundo estranho. Não, não era a chuva, pois esta era uma chuva de “molha parvos”. Parecia algo zangado que aparecia em vagas. À medida que se aproximavam o som ficou ensurdecedor.
O alcatrão rapidamente deu lugar a areia e descalçaram-se. A sensação de areia nos pés fez com que parassem e olhassem um para o outro.
Rita agachou-se e deixou que a areia escorregasse por entre os seus dedos. João imitou-a e levou um punhado de grãos à boca, saboreando o seu sal.
Ainda não conseguiam vê-lo, pois as dunas tapavam a visão, mas já sentiam a brisa húmida na face e o som cada vez mais alto, parecendo um rugido de leão.
Continuaram a andar de mãos dadas, os corações a bater em uníssono e passaram a última duna. Aí estava ele, na sua imensidão.
Estacaram sem respiração, perante tal imagem. O mar revolto rugia cada vez mais alto e as ondas, gigantes, abatiam-se na areia molhada, fazendo autênticas crateras no local onde pousavam.
Ficaram ali, parados, quietos, sem falar, a olhar o mar.
Finalmente tinham conseguido. Finalmente tinham visto o mar!
Olharam um para o outro e correram para junto da água. Correram, correram, correram até à beira mar.
“João, já vimos o mar!” – disse Rita sem fôlego.
“Sim… e agora vamos à lua, tá bem?”

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