Assim começa Abril (12)


Serra da Mesa, Nampula, 1972

Os meninos levantaram-se cedo naquele dia. As malas, pequenas, azul para o rapaz e rosa para a pequena, estavam prontas e encostadas à porta. A caminho da cozinha olhou-as com angústia, sentiu o vazio a entrar-lhe no peito e nem a caneca de café quente conseguiu aquecer-lhe as pontas dos dedos. Lá dentro ouvia-se o barulho dos pés pequenos a arrastarem o medo. Os pequenos, os seus pequenos, iam partir e tinham medo daquela terra distante que não conheciam, da distância imensa que os separava da rua poeirenta no Verão e húmida e doce com a chegada do Outono. “Na terra da avó também se pode correr?” perguntava o filho, “e há cajueiros para trepar?” perguntava a pequena. E ela encolhia-se, espantava lágrimas, e sorria a sossegar-lhes as dúvidas “Lá também se corre mas cajueiros não há.” E a pequena, a quem sobravam tantas perguntas, calava-se, encolhia-se nas cortinas da sala, e ficava quieta a espreitar o muro do jardim e a rua. Foram as semanas mais silenciosas de que se recorda. Os pequenos sentavam-se na soleira da cozinha virados para o pátio, de mãos dadas, condenados a uma solidão muda e quieta que duraria (como mais tarde iria descobrir) muitos meses. Naquele último dia os meninos levantaram-se cedo, tão cedo que o sol ainda não tinha tocado a linha do horizonte e só se adivinhava a manhã no laranja vivo que tingia o céu. E a viagem até ao aeroporto fez-se num silêncio triste, os meninos no banco de trás, com as testas coladas ao vidro do carro, olhos fundos como poços, a ver a vida, e as gentes, e as ruas decoradas de palmeiras.
“Até breve meu amor, até breve!” tinha-lhes murmurado ao ouvido. Depois entregou-os à madrinha que os havia de levar, sãos e salvos, para aquela terra distante do outro lado do mar.

4 pensamentos sobre “Assim começa Abril (12)

  1. Gostava de corrigir o cabeçalho do blogue. Não me parece que 3 corações correspondam a 3 mãos. Em princípio, serão 6 mãos. E 30 dedos das mãos, mais 30 dos pés, já agora.
    Após ponderação, parece-me adequado que fique: 3 corações, 6 mãos, 60 dedos e uma mão-cheia de pêlos nas costas!

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  2. Ah, as memórias da estrada velha de Kalimpalonga, quando aproveitávamos a penumbra para dançar mornas provocantes, sob o olhar bambuleante das Pimpalongas primas do meu tio Katrapalongo. África… Calor… Sexualidade… Regueifas…Música… Tango… Borges… Borges& irmão… Bancos… Capitalistas fascistas… Para onde já vai esta associação de ideias. Abril!
    Que memórias!

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  3. Ah, as memórias da estrada velha de Kalimpalonga, quando aproveitávamos a penumbra para dançar mornas provocantes, sob o olhar bambuleante das Pimpalongas primas do meu tio Katrapalongo. África… Calor… Sexualidade… Regueifas…Música… Tango… Borges… Borges& irmão… Bancos… Capitalistas fascistas… Para onde já vai esta associação de ideias. Abril!
    Que memórias!

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