Os meu mundo não é deste sonho

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Acordei-te num sobressalto, naquele instante em que engulo o grito e abro os olhos. Depois fico ali, dobrada sobre mim a tentar respirar, a engolir aquela dor  funda, aquela imagem de horror que me deixa insone horas e horas e horas. “Que foi? que foi?!”, perguntaste enquanto me abraçavas. E não posso responder porque teria de dizer que estes sonhos são os companheiros desta viagem de duas décadas, que me fizeram perder dias e noites, onde te via a morrer, uma e outra vez, e eu gritava sem som e uma voz que repete”tu não pertences aqui”.

In myself

In silence

E depois há este silêncio que me habita. Ou onde habito. Nem sei. Os longos monólogos interiores escudados no jantar feito, no som do vapor a soltar-se do ferro, no beijo rápido sem desejo. Palavras, um rio de palavras, minhas, secas, carregadas de memórias do que foi. Conversas longas com a banda sonora que jorra pelos fones que não largo. E o mundo lá fora, do lado de lá do vidro, do lado de lá do corpo, continua, e eu vivo em paralelo, entre a que sou e a que guardo. Vivo resguardada, fecho o que sinto e penso nesta arca gigante de imagens, dores, alegrias, amores…E, aqui e ali, foge-me um soluço, sem saber porquê, um sorriso da filha, um velho que desce as escadas à minha frente, um miúdo à esquina, um cão de olhos grandes, e ali mais à frente, uma árvore citadina que brilha agitada pela brisa. E neste silêncio, que já sou eu, nesta história que me corre por dentro, afasto-me devagarinho num caminho que nem eu mesma percebo.

I Saw Daddy Today, Yann Tiersen