Assim começa Abril (16)

 

legsNo tempo em que o mundo começava no portão do pátio e terminava no cajueiro do fundo da rua, os dias corriam longos e mornos, e o tempo parecia não ter fim. A nuvem anual de gafanhotos cobria o céu durante um dia inteiro e sabíamos que estava a começar o estio. O chão passava de castanho a amarelo, e os pés, descalços ou vestidos de chinelos, ficavam secos e pele entre os dedos gretava. Nesses dias escondíamo-nos do sol nos ramos da árvore mais alta, os mais crescidos a empurrarem os pequenos e os mais fortes a estenderem mãos e braços para não deixar ninguém prisioneiro do rio de pó. Sentados, na ramada que ainda persistia, decorávamos, ou aprendíamos palavras estranhas, o nome dos pássaros e rimas e risos. Naquele tempo não sabíamos que o mundo era maior que fim da rua, e que além do mata, para lá da serra, na terra plana e seca onde corriam as pála-pála, havia gente igual a nós.

Never ending story

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Podia dizer-lhe que nunca esquecera as suas mãos, pousadas no tampo de plástico da mesa de café, no dia final. Ou os segundos em que o vira do lado de lá do vidro a caminhar na sua direcção. Podia dizer-lhe que naqueles instantes em que ficava a olhá-lo em silêncio procurava gravá-lo na memória pois habituara-se a não o ter, e temia que na temperamental bonança se fizesse novamente espuma. E podia dizer-lhe, mas disso não queria falar, que o olhava com a esperança que sob as suas mãos e sob os seus lábios aquela mágoa se fosse de vez.