O tempo antes de Abril

Fotografia de Eduardo Gageiro

Venho de uma gente simples, de camponeses e operários. Gente de trabalho, gente que fez da história aquilo que é. E desta gente simples, que o sempre acreditou que era possível mudar o mundo, há alguns que perduram na memória da família. Um bisavô republicano, uma avô anarquista, e um primo do contra preso na “crise de 69” . E por causa deste primo que contra vontade viveu na António Maria Cardoso os meus pais fizeram rumo a África. Na memória ficou-me a descrição que a minha mãe fazia das suas idas à prisão:

“A rua estava quase sempre vazia como se as pessoas evitassem passar por ali. Eu levava sapatos de salto, e cada passo que dava ecoava pelas paredes de pedra. Se escutasse com atenção apercebia-me dos assobios em código com que os presos comunicavam uns com os outros anunciando visitas. Entrava numa porta escura, e lá dentro fazia sempre frio. Os guardas trocavam piadas entre eles, só depois de algum tempo perceberam que não era a mulher do J. mas sim a prima. Depois encaminhavam-me para dentro. Ficava sempre uns instantes parada em frente a uma porta de grades, que se fechava nas minhas costas com estrondo metálico, deixando-me a pensar se voltava a sair…”
A minha mãe saiu sempre, o meu primo J. ficou lá dois anos. Nunca lhe ouvi uma palavra sobre esse tempo “antes de Abril”.

Fotogenia


Em qualquer familia existe sempre uma “ovelha”, negra ou não.
Sim, na minha família também existe um caso bicudo: a mana!
Desde tenra idade que odeia tirar fotografias, mas que a familia insiste em que ela apareça nas mesmas.
Este é o resultado de obrigar a “piquena” a ficar quieta e a sorrir durante 30 segundos.
Mesmo assim, adoro esta foto no nosso quarto de crianças.

Nota: Mana, sabes que te adoro, por isso não me mates!!!!

O 1º beijo


Sim, é verdade.
Era jovem, bem jovem e imatura.
Mas o primeiro beijo ficou, para sempre, capturado nesta imagem.
Eu e o meu primo, em plena praia no Algarve.
E, os meus pais faziam o favor de a mostrar sempre que os meus primos vinham a nossa casa.
Para vergonha minha e, claro, do meu primo.
Por isso, quando sai de casa, adivinhem lá onde esta foto foi parar?!?

Rainha da Água


A M. já sabe nadar.
Tem 6 anos e na 6ª aula de natação, já fez a piscina de uma ponta à outra sem bóias e sem parar.
A minha irmã – um autêntico prego – está impressionada e babada, claro!
Na foto ao lado, estou eu.
Sim, eu também já fui um autêntico prego, mana!
Era assim que eu nadava.
Com convicção, mas… pouca água!!!
Ainda bem que a M. não sai à família!

Cinema (II)

O primeiro filme da minha vida foi “Robin Hood” da Disney. Num domingo à tarde, o meu padrinho foi-me buscar e levou-me ao Tivoli. Sentadinha entre ele e o meu irmão mais velho, lembro-me de rir e chorar e bater palmas no fim.
Tinha 6 anos e acabava de chegar a Portugal. Tinha atravessado um continente, e lá longe, muito longe tinham ficado os meus pais e o meu irmão bébé.
Naquele dia voltei a ter um sorriso, e por momentos esqueci o aeroporto da Portela cheio de desconhecidos, a força com que apertava a mão do meu irmão mais velho com medo de o ver desaparecer, e o céu frio e cinzento.
Naquele dia fui, por instantes, feliz.